Massamãe: a empresa de pães que é mãe, filha, irmã e família

Não existe “eu” nas frases do baiano Euler Dantas, residente no Rio desde 1989. As histórias que conta dos empreendimentos que construiu ao longo da vida e da sua atual fábrica de pães orgânicos, a Massamãe, começam sempre com “a gente”. Então, a cada história precisamos perguntar, “a gente quem?!” e ele responde citando ora a ex-companheira, ora antigos sócios, parceiros de movimentos sociais e também os funcionários da panificadora. Na pequena empresa, localizada no bairro do Rocha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, Euler tem uma rotina de reuniões com os cinco funcionários. Segundo ele, há sempre discussões, todo mundo fala e tem peso nas decisões: “Essa semana mesmo a gente fez uma reunião pra reorganizar a produção desta semana em função de um pedido maior e, agora, no início do mês, tivemos a decisão coletiva de fazer mais um mês de redução de jornada de trabalho”, conta.

Funcionário do Massamãe verifica a fornada.

E foram muitas novas decisões que esta família precisou tomar desde o início da pandemia do novo coronavírus. Euler lembra que no primeiro trimestre do período da quarentena tiveram problemas para escoar parte da produção. A granola, carro chefe de sua antiga empresa – e por isso mantida entre os produtos da panificadora – teve redução de quase metade dos pedidos comparado ao mesmo período do ano passado. Mas neste momento de desafios, a empresa também pôde mostrar sua face mãe, ao oferecer pães por um valor bem abaixo do praticado para projetos sociais em comunidades vulneráveis, na Serra da Misericórdia e em outras comunidades da capital e Baixada Fluminense.

Euler entrega pães orgânicos em Vila de Cava, Nova Iguaçu, para as cestas distribuídas a grupos com vulnerabilidade alimentar na Baixada Fluminense, em agosto de 2020.

Em um dos projetos, a Massamãe produziu 1 tonelada de pães, um recorde de produção diária da empresa. “Tivemos que aprender a produzir uma quantidade de pães gigantesca em jornada contínua e apareceram problemas, pois pães têm ritmo, tempo de fermentação, assamento… e a gente não tinha esta estrutura toda e precisamos nos desdobrar pra concluir a missão”, recorda Euler. Nas outras parcerias, foram produzidos 400 pães e, por último, mais recentemente, 100 unidades. Apesar dos percalços, Euler definiu a experiência como compensadora e maravilhosa: “Foi muito interessante, porque levantou o astral, neste período de incerteza em que estávamos amedrontados. Foi lindo saber que íamos beneficiar pessoas em situações bem mais difíceis que a nossa”, suspira.

Tradição e cooperação

Também se pode dizer que a Massamãe é “filha”, mais uma das descendentes de um trabalho de muitos anos, que este jornalista, prestes a completar 57 anos, construiu com os alimentos orgânicos. A empresa é a continuidade de uma empresa anterior, chamada Engenho Novo, que funcionou no bairro de mesmo nome. E, bem antes disso, Euler já vinha se dedicando ao ramo da alimentação saudável, quando lançou sua marca de granola crocante em 1995, época em que o mercado ainda era muito limitado aos “naturalistas”, até ficar famosa a combinação com o açaí, como relata Euler: “A gente se orgulha porque nossa granola foi pioneira nesta dupla com o açaí, por meio de uma rede de lanchonetes na Zona Sul do Rio de Janeiro”.

Stand da Cultivar em feira de produtos naturais, nos anos 90,
para divulgação da granola e demais produtos .

Nesta época, a fabricação artesanal da granola acontecia na Cultivar, no bairro de Santa Teresa, com sua ex-mulher, Juju, também bem conhecida como uma das pioneiras neste ramo de orgânicos na cidade. Os dois eram associados da Coonatura, uma pioneira associação de produtores e consumidores de orgânicos do Rio e que, junto a ABIO, ajudou a implantar a Feira Cultural e Ecológica da Glória, que serviu de modelos às demais feiras orgânicas da cidade. Euler chegou a sair do ramo da alimentação a partir de 2008 para dar aula de Yoga, mais uma das facetas deste multi produtor, mas em 2010 voltou e começou a fabricar pães.

A ação de distribuição de pães nas comunidades vulneráveis não foi um ato isolado na história de Euler. Sua trajetória vem sempre atrelada a outros “irmãos e irmãs”, os grupos de certificação de orgânicos e de ativistas pelas questões da saúde, o que segundo ele dá sentido a tudo: Trabalhando dentro de uma empresa, com os rituais indispensáveis de planejar, comprar, entregar, produzir, receber, os ciclos podem se tornar muito vazios, se não tiver algo que nos motive e sustente. E a gente acredita que ao lutarmos pelo orgânico na sociedade é ter coerência com o que defendemos no plano individual”. Imerso neste universo, Euler, agora na sua versão Jornalista, ocupa hoje o cargo de diretor de Comunicação da ABIO, Associação de Agricultores Biológicos do Rio de Janeiro.

Mais uma entrega do Massamãe, durante a atual pandemia, tendo Euler a frente.

Além das boas práticas sociais, a Massamãe também dá exemplos na área ambiental. As embalagens de cereais como a aveia e flocos de cevada são reutilizadas para servir como embalagem secundária de alguns produtos vendidos, como a granola. Outros materiais são doados para reutilização e muitos outros destinados à reciclagem. A área da produção também é iluminada por quatro grandes exaustores eólicos que ajudam a diminuir o uso de luz elétrica.

Com tantos papéis na sociedade, tanto Euler quanto a Massamãe, vão deixando por meio de exemplos boa sementes para um mundo onde caiba menos “eu” e mais “a gente”.