É melhor prevenir do que remediar

Com a aproximação do Dia das crianças, é esse ditado – famoso justamente entre os mais velhos – que nos ajuda a refletir sobre a importância da alimentação saudável para quem está nos primeiros anos de vida, sobretudo diante das crescentes evidências da fragilidade desta faixa etária frente aos agrotóxicos

Datas comemorativas costumam trazer clichês, frases vazias e apelos ao consumo. No entanto, também podem ser uma oportunidade de aprofundar o debate sobre os significados desta homenagem e contribuir para mudanças necessárias. Em 1959, durante uma Assembleia Geral das Nações Unidas, foi aprovada a Declaração dos Direitos da Criança que, em seu quarto artigo, traz o direito das crianças crescerem com saúde, englobando aspectos relativos à alimentação e à gestação. Infelizmente, além da fome e da desnutrição, um outro problema grave vem desrespeitando este direito básico: os agrotóxicos. Só pra se ter uma ideia do estrago, dos 25 mil casos notificados pelo Ministério da Saúde sobre a contaminação dos agrotóxicos na população 20% eram de crianças. As notificações ocorreram entre 2007 e 2014 e foram divulgadas no “Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia” da USP.

As crianças, junto com as gestantes e os idosos, constituem o que os cientistas chamam de “grupos populacionais mais vulneráveis” em relação aos impactos dos agrotóxicos na saúde. No caso dos organismos infantis há uma sensibilidade maior aos agrotóxicos em decorrência de sua alta permeabilidade intestinal e da imaturidade do seu sistema de detoxificação. A informação faz parte de um dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), lançado em 2015, em parceria com a Fiocruz. O documento de mais de 600 páginas traz um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde e detalha casos emblemáticos de intoxicação no país. A nutricionista infantil Mariana Claudino explica que as muitas mudanças metabólicas, imunológicas e hormonais fazem da infância e da adolescência períodos considerados de risco, “afinal o organismo está em pleno desenvolvimento”, pontua. Mariana lembra que alguns estudos já demonstram que os agrotóxicos têm relação direta com o surgimento de muitos problemas, como “alergias alimentares, problemas intestinais e intoxicações alimentares, entre outros muitos impactos na saúde”. A nutricionista também alerta que um grande estudo publicado pelo British Medical Journal, em 2019, relaciona a proximidade às áreas de pulverização constante de agrotóxicos com o aumento de diagnósticos do espectro autista, tanto na gravidez, quanto na primeira infância. 

Débora Marques, também nutricionista infantil, adverte que o manual de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que, sobretudo nos primeiros mil dias da criança – da gestação aos 2 anos de idade -, se reduza a exposição às toxinas. “Meu maior público são gestantes e bebês e como o agrotóxico é considerado uma toxina, é preciso evitar uma exposição tão precoce, que ao longo da vida pode aumentar as chances de doenças como câncer, doenças neurológicas, alergias, entre outros”, diz. 

Orgânicos: o investimento que compensa

A luta dos orgânicos contra o sistema convencional de produção, conhecido também como agronegócio, é desigual. Enquanto o universo do veneno conta com facilidades e isenções fiscais, os pequenos produtores orgânicos e a agricultura familiar carecem de assistência técnica e investimentos em diversos setores. As dificuldades em todo este percurso ainda fazem com que o preço final de diversos alimentos orgânicos não seja acessível para muitas famílias brasileiras, que igualmente se preocupam com a saúde de seus filhos.

Ajudando a mudar este cenário, as feiras e as entregas de cestas orgânicas já deram provas de que podem ter preços mais competitivos e mais baratos que nos mercados. Adepta do sistema de cestas do Meu amigo tem um sítio há 4 anos, a advogada Marcela Corrêa diz que nem consegue se lembrar ao certo quando começou a consumir orgânicos, mas que um fator importante para continuar investindo é a sua filha Julia, de quase 2 anos: “A alimentação dela, eu acredito que deve ser de 80% de alimentos sem veneno, desde legumes, frutas, verduras até arroz e feijão, por exemplo”, contabiliza. Marcela cita de cabeça que o Brasil lidera o ranking mundial de consumo de agrotóxicos e que em 2019 o país bateu o recorde no número de novas liberações. Durante a sua prática clínica, a doutora Mariana Claudino também procura fazer sua parte: “Eu sempre recomendo o consumo de orgânicos, ou, pelo menos, o das frutas, legumes e verduras da estação, com menor chance de agrotóxicos”, diz. 

A atuação de profissionais mais conscientes em relação aos benefícios da alimentação saudável vem se unindo à preocupação de muitos responsáveis com a saúde das crianças e bons exemplos vêm se multiplicando. Cada vez mais pais e mães têm visto que o investimento nos orgânicos compensa por diminuir gastos com médicos e remédios para seus filhos. De fato, produtos com aditivos químicos, hormônios e agrotóxicos estão entre as principais causas de intoxicação no ambiente doméstico e de manifestações alérgicas, principalmente em crianças. “Essa relação pra mim não conta pra agora, o investimento pra mim é a longo prazo; ele vai pra vida inteira”, conclui Marcela.