O futuro da agricultura é tech, mas não é pop

Pouco incentivo às novas gerações de agricultores e inovações tecnológicas na agroindústria marcam o horizonte da produção agrícola

Em um país em que boa parte da alimentação é fruto da agricultura familiar, a falta de incentivo para que os jovens permaneçam na zona rural leva os produtores a questionarem se os jovens seguirão o legado da família.

Texto por Ana Luísa Vasconcellos

As notícias sobre inovação tecnológica e sobre a expansão da indústria do agronegócio têm ocupado os noticiários há alguns anos. Seria esse o futuro da agricultura? Se você vive na cidade, provavelmente não pensa com muita frequência sobre a origem do seu alimento, mas é bastante possível que ele seja produzido por uma família, talvez bem parecida com a sua, que muito possivelmente ainda não teve acesso a esse tipo de produção tecnológica e em larga escala que vemos quando se fala no futuro da agricultura. 

Segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, em pesquisa elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a agricultura familiar correspondia a 84,4% do total dos estabelecimentos agropecuários brasileiros. Isso significa que grande parte do alimento consumido em 2006 era fruto do trabalho de aproximadamente 4,4 milhões de estabelecimentos familiares, que transmitiam o método de produção do campo de geração em geração. Atualmente, o cenário é diferente: dados do Censo Agropecuário de 2017 apontam uma redução de 9,5% no número de estabelecimentos classificados como agricultura familiar em relação a 2006. Infelizmente, não para por aí: o segmento foi o único a perder mão de obra, uma vez que outros tipos de agricultura obtiveram crescimento com 702 mil novos postos de trabalho, enquanto a familiar perdeu o contingente de 2,2 milhões de trabalhadores. Na época, essa diminuição foi apontada por Luiz Fernando Rodrigues, gerente substituto do Censo Agro 2017, como consequência do envelhecimento dos chefes das famílias, ao mesmo tempo em que os filhos optam por outras atividades fora do domicílio agrícola: “As pessoas estão ficando idosas, o que reduz o número de ocupados. Além disso, há o aumento da mecanização e da contratação de serviços”, comenta Rodrigues em matéria da Agência IBGE Notícias.

Censo Agropecuário 2017 demonstra queda nos estabelecimentos, pessoal ocupado e área de agricultura familiar / Fonte Agência IBGE Notícias

O trabalho que é herança

Mas, afinal, qual será o futuro da mão de obra no campo? É isto que ponderam os agricultores do universo de orgânicos quando pensam no futuro de suas famílias. Um deles é João Pimenta, de 61 anos, que, além de ser presidente do grupo de produtores SerOrgânico e membro do Conselho Administrativo da Associação dos Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (ABIO), também compõe a associação do Sistema Participativo de Garantia (SPG) da ABIO, que participa do processo de certificação de orgânicos. Sua história o orgulha e foi construída praticamente toda na agricultura: “Sempre foi a minha raiz. Nasci em Minas Gerais e viemos com a família para o Rio de Janeiro, fazendo outras coisas até que conseguimos um sítio em 1983. Eu trabalhava na produção, mas agora, há pouco tempo, tivemos que vender o sítio, por conta da agroindústria e da minha idade”, relata.

A agricultura familiar é definida pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) como pertencente a uma dinâmica de características distintas em comparação com outros tipos de agricultura não familiar. Além disso, a relação do agricultor familiar com a terra é bastante particular e afetiva: é seu local de moradia, trabalho e o que coloca, literalmente, comida em sua mesa. A diversidade produtiva prova esse ponto, sendo uma característica marcante desse setor, em um contraponto às monoculturas das grandes indústrias. Por isso, é mais provável que o alimento orgânico seja proveniente de um estabelecimento familiar: a rotação de culturas é uma técnica de respeito ao solo, que o esgota menos do que a monocultura, assim como o uso de produtos de origem natural e o cuidado com a terra sem a utilização de agrotóxicos.

Nessa produção, a gestão da propriedade é compartilhada pela família e, normalmente, a principal fonte geradora de renda. De acordo com a Lei Nº 11.326, de 2006, para ser classificado como agricultura familiar o estabelecimento deve ser de pequeno porte, gerido pela família e ter metade da força de trabalho familiar. Além disso, segundo a lei, a atividade agrícola deve compor, no mínimo, metade da renda familiar. Na experiência de João Pimenta, isso nem sempre é possível. O agricultor conta que, enquanto criava seus dois filhos, foi necessário buscar outras fontes de renda, tendo passado por empregos como motorista de caminhão e de ônibus e funções como segurança na área de indústria de petróleo. Para ele, essas eram ocupações secundárias que levava a frente junto com seu trabalho principal: “Comecei cedo, desde os 14 anos. Hoje, já me aposentei, mas tenho que continuar trabalhando, porque o dinheiro da aposentadoria não dá para nada”, explica.

Desilusão à vista

Praticamente nascido na agricultura, João olha com tristeza para o futuro que começa a avistar nos próximos anos. Ele vê diversos motivos para o afastamento dos jovens dos locais de produção agrícola, como a falta de incentivo e de políticas públicas voltadas para o pequeno agricultor e para as famílias que vivem disso. Não precisa ir muito longe para perceber o distanciamento, seus dois filhos e quatro netos não demonstraram interesse em trabalhar na roça, o que João entende como natural: “Acredito que pelo fato de a gente ter batalhado tanto e visto que não tem muita vantagem… Também queremos ver nosso filho bem sucedido! A maioria dos agricultores familiares que vivem lá na roça não tem condição de mandar o filho para a faculdade para ser agrônomo. Por outro lado, o filho vê que o pai trabalha o tempo todo e não tem ganho, então o jovem também tem o sonho de trabalhar fora dali. O ganha-pão é muito pouco”, lamenta.

Esse movimento dos jovens de buscar trabalho em outras áreas impacta diretamente a produção familiar. Estamos falando de futuro, mas também de uma geração de produtores que já não pode se dedicar como antes, a exemplo de João Pimenta. “Nós estamos ficando velhos, não dá mais para trabalhar com isso. Os jovens, se não têm incentivo, vão para a cidade e vão deixar a roça”. Ele ainda produz alguns alimentos em sua horta e conta com os conhecimentos que seu falecido pai lhe passou, assim como ensinamentos valiosos que sua mãe de 84 anos ainda compartilha com o filho. Ele frisa que, se o jovem souber trabalhar na roça, ele pode fazer disso uma empresa, se existe investimento ou capital para investir: “Uma roupa, um carro, pode ser que a pessoa não compre amanhã, mas o alimento ela sempre vai consumir! Colocar na mente do jovem que a roça não vale nada não faz sentido. Como vai ser daqui a 10, 14 anos?”, questiona.

Entretanto, ainda há um fio de esperança. O movimento dos orgânicos se desenvolveu nos últimos anos, demonstrando crescimento de 30% em 2020, segundo pesquisa da Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis). João enxerga essa mudança como novos ares de esperança pairando a roça: “Hoje, vislumbra-se uma melhora. Temos as feiras orgânicas e no caso do agricultor familiar elas absorvem bem. O consumidor em si está se conscientizando da importância de se alimentar bem e manter a imunidade alta para o seu corpo”, afirma. Se há uma resposta para o futuro da agricultura familiar, talvez ela ainda não seja pop, muito menos tech, como é na indústria do agronegócio. Existe uma grande possibilidade que ela passe pelo incentivo dos próprios consumidores às novas gerações da agricultura, que podem dar continuidade a toda tradição e história que já foi construída e serve de raiz para diversas famílias.