A transformação de um modo de vida afastado da Natureza passa pela mudança de hábitos e a criação de outros costumes que sustentem uma cultura positiva para a vida na Terra
É através, sobretudo, da educação para a infância e do contato com a Natureza que encontramos caminhos que podem ajudar nesse processo de transformação, onde, através do estímulo de relações de cooperação, cocriaremos a vida.
Texto por Fernando São Thiago Tanscheit
“Na natureza nada se cria,
nada se perde,
tudo se transforma”
O tema central desse texto é o estímulo da relação entre as crianças e a natureza. No panorama atual da nossa sociedade, é possível observar um claro afastamento do modo de vida urbano com relação ao ambiente natural como um todo e um distanciamento da nossa própria natureza. Seja nos grandes centros urbanos, sem espaço para a vida acontecer de forma plena, seja na tela do celular e do videogame, produtores de uma realidade virtual, onde aquilo que está sendo representado não permite que sejamos livres.
Liberdade é ter a oportunidade para participar dos processos que sustentam a vida no planeta. Beber água de qualidade de graça, em abundância. Pisar descalço no Solo. Respirar ar puro. Toda a comida sem veneno. Essas são algumas das ações que, ao invés de serem sonhadas, poderiam estar em processo constante de por vir. Infelizmente não é essa a realidade com que nos deparamos. Cada vez mais ruas são asfaltadas, a água de qualidade é escassa, o ar da cidade é poluído e a comida está sendo envenenada!!
A educação como caminho para cocriar a vida
A urgência de transformação desse modo de vida está evidente e, em boa parte, isso passa pela mudança de hábitos e a criação de outros costumes que sustentem uma cultura positiva para a vida na Terra. É através, sobretudo, da educação que encontramos caminhos, meios e comportamentos que podem ajudar nesse processo de transformação, onde, através do estímulo de relações de cooperação, cocriaremos a vida.
Quando abordamos a educação aqui, estamos pensando nas crianças, no recorte da infância destas. É fundamental que seja uma educação a partir do Brincar, onde o que é Bom e o que é Belo seja apresentado sem, contudo, deixar de fora a profundidade e a espontaneidade que são próprias das crianças. As bases dessa educação são o Amor e a Cooperação. Através desses dois mecanismos que a vida nos apresenta como fundamentos do seu acontecimento, buscamos o sentido da nossa ação. Com o Amor, estamos abertos para a escuta ativa, para os erros e acertos. Como é próprio dele, o Amor nos transforma no sentido de melhor interagir com o outro. A Cooperação nos serve no sentido de promover o Amor e as práticas positivas para a sustentabilidade da Vida na Mãe-Terra. O sentido da Vida é o de promover mais vida, com melhor qualidade, ou seja, maior diversidade e abundância. Assim caminha a educação, com inclusão e com entrega.
A floresta é a professora
A nossa grande professora nessa trilha é a floresta. É imerso no seu ambiente e iluminado pelos seus princípios, que encontramos as possibilidades de aprendizado. Ao adentrar a floresta, salta aos olhos a diversidade que encontramos, de plantas, animais, insetos e fungos, sem esquecer daqueles que são invisíveis ao olho nu e que recheiam todo o solo da mata. Portanto, tendo a floresta como professora, nossas práticas educacionais caminham no sentido da vida.
Como informou a rede de comunicação comunitária Voz das Comunidades, a horta de Manguinhos, Zona Norte do Rio, é a maior horta comunitária da América Latina. Desde 2013, quando foi implementada com incentivo do programa Hortas Cariocas, a área de plantio emprega 21 moradores da favela. Ainda segundo o Voz das Comunidades, a produção mensal chega a duas toneladas de alimentos, vendidos a um valor simbólico ou doados aos moradores de Manguinhos.
A educação na infância prescinde dessa proximidade com os princípios da vida: apresentar a natureza que a envolve é abrir as suas possibilidades de participação dos processos que sustentam a Vida. É construir com elas a liberdade de cada uma com um senso de inter e intra dependência do todo na qual está imersa e que cada dia mais participa da construção. Trazer as crianças para a natureza representa abrirmos as possibilidades para que tenhamos adultos mais conscientes e responsáveis, que tenham a ética da vida como sua cultura.
- O que é trazer a criança para a natureza?
- Como acontece esse processo?
- Quais são seus benefícios?
Essas perguntas servem como orientação para o nosso dia a dia de educador, mas também norteiam o entendimento desse texto. Eu trabalho na educação infantil desde 2014, tanto no ensino público quanto no privado.
Os caminhos do ensino-aprendizagem
Na medida em que avançou a minha formação em Geografia e em Agrofloresta, o caminho do ensino-aprendizagem foi bastante natural. Através de cursos, oficinas, conversas, trabalhos em sala de aula, incursões didáticas à floresta e outras trocas, eu fui percebendo que (1) trazer a criança para a natureza é estimular o seu Prazer Interno. É o momento da descoberta do mundo e de si. Do que seu corpo já é capaz ou ainda encontra dificuldades. Ali ela estimula a confiança nela mesma, no seu conhecimento entre o que é comestível, e o que é do seu gosto, no saber aonde pisar no solo da mata, quais são os galhos seguros da árvore que vai subir, distinguir os bichos que podem lhe trazer algum dano daqueles inofensivos e outras descobertas que os colocam em sintonia tanto com o mundo ao redor e com o outro, quanto consigo.
Na medida em que caminham essas descobertas, intencionalmente se apresentam outras possibilidades de interação com a natureza (2), diferente do modo de vida urbano que é apresentado constantemente. Apresentar alternativas a isso é um processo que acontece a partir de um planejamento inicial que caminha de maneira orgânica e intuitiva na medida em que são expostos os questionamentos por parte das crianças. De maneira resumida, esse processo acontece principalmente no contato com a natureza diretamente, sobretudo a floresta, mas também com os princípios que sustentam a vida no planeta e que podem ser abordados com diversas formas-conteúdos. Nos ambientes da horta, do jardim sensorial, do pomar, da floresta densa, surgem questionamentos diversos que dão sentido àquele conteúdo que se pretende. Ao plantarem o alimento, sempre perguntam como ele cresce. Disso flui uma temática da fotossíntese e da clorofila, que pode se desdobrar, através da luz, no estudo do sistema solar e do universo, ou por outro lado, através do cloroplasto, tornar-se um estudo das células. É preciso escutar e assistir com a profundidade necessária cada pergunta, apontamento, curiosidade, olhar, passo em falso, tropeço, gargalhada, choro e riso.
Esse processo de imersão na natureza será rico e abundante de conhecimento, diversidade, amor, trazendo benefícios (3) para as crianças e para o mundo no qual essas crianças vão crescer. Dentro do modo de vida urbano, segurança e limpeza estão “sob controle”, a morte é vista descolada do processo de vida-morte-vida, que a floresta nos apresenta, por exemplo, com o crescimento de cada planta que, quando da sua morte, servirá como adubo para as plantas que ali seguirão; ao apresentarmos a dinâmica florestal, trazemos sobretudo os ciclos da vida, a diversidade, a abundância, a cooperação entre as espécies e a sua própria espécie, a específica função de cada ser e de cada indivíduo, a vida com qualidade e em quantidade.
Os “3 C’s” e os benefícios do contato com a natureza
Finalmente, surge desse trabalho com a infância três palavras que ajudam a perceber os benefícios do contato com a natureza, são elas: a calma, a confiança e a cooperação – os “3 C’s”. Enquanto caminho nessa jornada da educação para a infância, percebo que a calma, necessária, vem com o processo, e serve ao processo de conhecimento de si e do entorno. Surge como urgente no encontro com bichos na floresta. Aparece com o tempo na medida que as trocas com o ambiente são estimuladas. A confiança compõe essa tríade para trazer a plenitude das ações sem que determinado interesse esteja limitado pelo “eu não consigo”. E a cooperação aparece como a liga da calma e da confiança, onde ao mesmo tempo que prescinde das duas ela pode ajudar a estimulá-las. Meu primeiro dia de aula ideal é o dia de subir em árvore. Ali na árvore esse exercício dos “3 C’s” é evidente. A calma própria para conseguir subir e a dos colegas para entender as dificuldades de cada, a confiança em si que vai conseguir subir e na leitura dos galhos sadios para pendurar-se e na árvore de que ela vai aguentar o seu peso e em qual parte dela e a cooperação com a árvore, consigo mesmo, com a turma e com o todo.