Produção familiar orgânica da Fazenda São Roque, no RS, passa de geração em geração
Descendentes de imigrantes italianos, que se estabeleceram no Rio Grande do Sul, a família Formolo rompeu as barreiras da produção convencional, sem deixar de lado a tradição. Com técnicas orgânicas, a família produz mais de 100 toneladas de maçã por ano
Quando Rogério Formolo começou a plantar maçãs, na década de 90, ele não imaginava que seus filhos iriam assumir essa missão e levar o projeto para outros patamares. Há cerca de 24 anos, a Fazenda São Roque começou a produzir com técnicas sustentáveis e orgânicas e, hoje, eles são referência para os novos produtores locais, que começam a empreender, servindo de exemplo e estímulo para que os agricultores apostem nos orgânicos.
Apesar da produção ter sido iniciada em 1998, essa história começa bem antes: a mais de 10.000 km de distância, na cidade de Trento, norte da Itália, os ancestrais da família já cultivavam frutas. A comunidade italiana, que hoje tem mais de 116 mil habitantes, foi berço da família Formolo, que migrou para o Brasil por volta de 1880. Próxima a Alemanha e Áustria, a cidade de Trento tem clima frio, propício ao plantio de frutas como maçã e uva.
A tradição da família, que foi semeada nos pomares italianos, persistiu com a chegada dos imigrantes ao sul do país, onde encontraram terreno fértil para plantar. Alimentos como a maçã precisam de clima frio para crescer, como explica Maycon Formolo, filho primogênito do casal fundador da propriedade. “É uma cultura perene, então a maçã só dá em uma época do ano, praticamente. É preciso uma temperatura mínima abaixo dos 10º C para que seja cultivada. O cultivo acontece em fases, então trabalhamos durante todo o ano para fazer a nossa colheita, que é entre o final de janeiro e o final de abril”, explicou.
A região agrícola onde vivem é responsável por cerca de de 80% da produção primária de alimentos de todo o Rio Grande do Sul. Utilizando técnicas orgânicas, os produtores da Fazenda São Roque cultivam mais de 100 toneladas de maçãs por ano, entre as variedades Fuji, Fuji Suprema, Gala e Eva. Desde abril deste ano, a Fazendo São Roque faz parte da rede de produtores parceiros do Meu amigo tem um sítio.
Amor pelo campo veio da infância
Maycon recorda com clareza as tardes de brincadeira no campo, com seu irmão mais novo. Eles nasceram e cresceram em um pequeno distrito conhecido como Fazenda Souza, no interior de Caxias do Sul. Os dois estudaram em uma escola rural religiosa. “O campo faz parte da nossa cultura! Onde moramos é uma área totalmente rural, então nossa brincadeira de recreio era na roça. Desde pequenos, tivemos contato muito próximo com a terra”, diz Maycon.
O negócio nasceu e cresceu em família, valor quase inegociável para grande parte dos descendentes de italianos. Nas palavras de Maycon, família é assim: se um tem um problema, o problema é de todos. E assim a empresa foi crescendo. Enquanto Rogério batalhava no campo, a matriarca Elizete Formolo preparava as refeições para todos que participavam da colheita e organizava a propriedade para a produção.
O gosto pela vida na roça levou os filhos a admirarem e participarem ativamente do negócio. Aos 16 anos, Maycon voltava da escola e ajudava com o plantio. “A gente já começou com a produção orgânica em 1998. Meu pai, por ser formado em medicina veterinária, tinha um conhecimento muito amplo dos químicos e ele não queria que os filhos dele crescessem em contato com isso. Por isso, desde o início, ele optou pela produção orgânica”, conta o filho mais velho.
Mais tarde, o filho Jonnatha Formolo também colocou a mão na terra e, pouco a pouco, foram conseguindo conquistar espaço no mercado. Hoje, o irmão mais novo também fica a cargo da realização da feira de orgânicos na cidade. Os dois estão casados e têm filhos, que também vivenciam intensamente o dia a dia na roça.
“Nós fomos pioneiros em implementar a agricultura orgânica nesta região. Apanhamos muito para termos o conhecimento que precisávamos para produzir, até porque na época existia menos tecnologia. Chegamos a perder produções inteiras. Hoje, se você me perguntar se eu voltaria atrás e começaria tudo de novo, acho que eu diria que não. Foi muito difícil chegar até aqui”, relembra Maycon.
Pouco a pouco, a família conseguiu aumentar a credibilidade do negócio. Não foi fácil, mas depois de mais de 10 anos começaram a atingir um novo público e, em 2010, expandiram o negócio para a produção do vinagre de maçã na agroindústria. “Foi difícil o pessoal acreditar no trabalho que estávamos fazendo, porque é muito mais fácil o produtor usar as técnicas do agrotóxico e dos químicos. O lobby das multinacionais é enorme em cima dos sistemas de produção”, comenta.
Rompendo barreiras sem romper com a tradição
O agricultor afirma que há diferenças claras para produtores que participam do sistema convencional, com uso de agrotóxicos, em comparação aos que utilizam técnicas orgânicas. Ele acredita que a produção convencional tem maior apoio por parte do governo e mais incentivo das grandes empresas. “No orgânico, não temos grandes parceiras. É nós por nós, a gente constrói um sistema de troca uns com os outros para crescermos juntos”, afirma.
Mas, sem dúvidas, as tecnologias que surgiram ao longo dos anos e os bioinsumos (produtos que chegaram ao Brasil nas últimas décadas) foram importantes para garantir o crescimento da fazenda. Toda essa produção é feita unicamente pela família, a não ser em épocas de colheita, quando contam com a mão de obra de dois ou três funcionários.
“É bastante trabalho! A nossa rotina começa bem cedo, às 6 da manhã. Depois que amanhece, vemos como está o clima e decidimos o que vamos fazer. No inverno, estamos em processo de poda. Na primavera, temos a época da florada. Depois, fazemos o ‘rameio’, que é a retirada do excesso de frutas, depois colheita e armazenamento”, conta.
O trabalho é recompensado com tudo que a fazenda leva aos consumidores. “Eu brinco que não gosto que chame a minha maçã de produto, sim de alimento. O que ela vai proporcionar para o organismo são diversos benefícios. O sabor é totalmente diferente de um alimento com agrotóxico, assim como o cheiro. É só sentir o cheiro que você vai ver a diferença para o produto convencional”, diz.
E o melhor é que tudo isso pode ser acompanhado pelos filhos. “A diferença da produção orgânica é gritante! Na hora da aplicação dos bioinsumos, a gente pode aplicar com nossos filhos, crianças, animais, todo mundo perto, sem problemas. Se fosse aplicação de agrotóxico, existiria toda uma estrutura e cuidados que você precisa ter para não intoxicar ninguém. Fora o nosso solo! Aqui, nossa água é própria para consumo e o solo é rico”, se orgulha Maycon.
Para Maycon, isso é essencial, ainda mais depois da chegada de sua filha Ana Carolina Formolo, que agora tem 4 anos. Ele e sua esposa Jussania Siqueira acreditam que a qualidade de vida no campo é uma das melhores partes de seu trabalho.
“Ela adora brincar na terra, ainda mais quando é para ficar perto da gente cuidando das maçãs, mas me assusta muito ver que temos muita evasão de jovens do campo. Temos medo de, no futuro, ela ter dificuldades, porque nesta área de produção agrícola tem muito pouco apoio. Mas, por enquanto, a gente continua se dedicando ao máximo para mostrar a força da agricultura familiar”, completa.
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