Por que a produção orgânica é melhor que a produção do agronegócio

Por que a produção orgânica é melhor que a produção do agronegócio

Nos últimos anos, o consumo de produtos orgânicos pelos brasileiros tem aumentado. De acordo com uma pesquisa da Associação Brasileiras de Promoção de Orgânicos (Organis), de 2019 pra cá, esse crescimento foi de 21%. O principal motivo apontado por quem compra são os benefícios que os alimentos não convencionais têm. Mas, afinal, por que a produção orgânica é melhor que a produção do agronegócio? Para entender isso, antes você precisa conhecer o que faz um produto ser considerado orgânico. 

O que são alimentos orgânicos

A agricultura orgânica se caracteriza por uma produção feita sem agrotóxicos, sementes transgênicas ou adubos químicos, ao contrário do agronegócio. 

Nessa forma de agricultura, além de técnicas como a compostagem, a rotação de culturas e o plantio consorciado, pesticidas e adubos podem ser utilizados, desde sejam de origem natural ao invés de sintética. Para regulamentar e definir as regras para o cultivo de orgânico, cada  país tem uma legislação específica.

No Brasil, é a Lei 10.831 de 23 de dezembro de 2003 que estabelece os parâmetros desde o processo produtivo, até a comercialização dos produtos, passando também pelo armazenamento, transporte, certificação e rotulagem. 

Em 2007, o Decreto nº 6323 definiu algumas novas regras, que passaram a permitir a produção paralela de orgânicos e não orgânicos na mesma propriedade, desde que com a separação dos processos produtivos, criando também o Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica. 

São essas especificidades de cultivo e a legislação rigorosa sobre elas que diferenciam os produtos orgânicos e fazem deles uma alternativa melhor para sua saúde, para o meio ambiente e até para os produtores. 

Benefícios dos orgânicos para a saúde

A maior vantagem dos produtos orgânicos em relação à saúde está na ausência dos agrotóxicos e adubos sintéticos, que, por não fazerem parte das substâncias naturais que o corpo humano deve digerir, absorver e excretar, acabam se acumulando no organismo através da ingestão frequente e aumentando a predisposição a uma grande variedade de doenças. 

Doenças causadas pelo consumo de agrotóxicos

Dentre as enfermidades desencadeadas pela contaminação continua por pesticidas, estão os diversos tipos de câncer, Parkinson e até mesmo obesidade e diabetes, como mostra um estudo do Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica (Inserm) e uma pesquisa realizada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), que, até agora, associou seis agrotóxicos à indução de acúmulo de gordura no organismo por meio da desregulação do sistema endócrino. 

O pesticida Acefato, por exemplo, que é o quinto ingrediente ativo mais vendido no Brasil, é um inseticida sistêmico do grupo dos organofosforados, perigosos neurotóxicos que são capazes de desenvolver alterações no sistema nervoso periférico e no central.

Mais uma parte do organismo afetada pelo consumo de agrotóxicos é o sistema reprodutivo, como explica a nutricionista Camilly Gabry: “Temos estudos hoje que dizem que uma alimentação intoxicada por muito agrotóxico pode prejudicar a qualidade do espermatozoide. Então, isso atrapalha não só os adultos que estão comendo coisas contaminadas, mas também as futuras gerações. E existem pesquisas que mostram que o excesso de agrotóxico dos alimentos sai no leite materno, então são bebês que estão consumindo um leite materno intoxicado.” 

As plantas orgânicas também te protegem

Ao consumir produtos orgânicos, o corpo funciona em seu fluxo normal, sem acumular substâncias que são nocivas. Além disso, quando as plantas não são protegidas das pragas por pesticidas e ao invés disso utilizam seus próprios mecanismos de defesa, há a produção de compostos benéficos para a saúde, 

Camilly explica a relevância disso no ponto de vista nutricional: “Um ponto importante é que quando a planta vai se defender dos animais, dos insetos, a folha dela fica diferente, como se tivesse sofrido alguma coisa. Nos alimentos com agrotóxicos isso não acontece, você vê até que eles são mais lisinhos, são aqueles alimentos perfeitos como se tivessem sido produzidos em laboratório. No caso dos alimentos orgânicos, eles têm mais compostos com ação antioxidante, porque essa reação da planta se protegendo dos insetos produz fitoquímicos, que fazem bem pro organismo.” 

Outro benefício dos orgânicos diz respeito ao solo, que por possuir mais nutrientes do que o solo de um cultivo feito pelo agronegócio, acaba gerando um alimento também mais nutritivo e saboroso. 

Contaminação ambiental por agrotóxicos

Em relação à natureza, os orgânicos são um grande aliado para a proteção do meio ambiente. No cultivo feito pelo agronegócio, a utilização de sementes transgênicas se mostra uma ameaça à biodiversidade, como aponta uma pesquisa da Unicamp. Por meio da chuva, do vento e de animais como pássaros e insetos, o pólen das espécies transgênicas se espalha para fora da lavoura, competindo com plantas naturais pela sobrevivência. Nesse processo, ocorre a contaminação de ambientes e até mesmo de outras plantações pelas variedades transgênicas.

Como foram desenvolvidas em laboratório para serem mais produtivas e resistentes, essas sementes acabam se proliferando com mais facilidade, causando a diminuição da incidência das variedades naturais de sementes, e a longo prazo podendo levá-las ao desaparecimento.

Em um cenário mais extremo, onde o cultivo de plantas transgênicas de fato cause o sumiço das sementes naturais, a ausência de variabilidade genética tornaria as espécies mais suscetíveis à extinção, já que, por terem vindo de um mesmo tipo de semente, todas as plantas teriam as mesmas características e potencial defensivo. Caso uma delas sucumbisse a alguma praga, todas as outras teriam o mesmo destino.

No plantio orgânico, as sementes utilizadas são naturais e, portanto, diversas em seus graus de produtividade e resistência, proporcionando um cenário mais igualitário para que todas as variedades tenham a chance de se desenvolver.

Poluição por agrotóxicos

Além das sementes transgênicas, o plantio não-orgânico também ameaça a biodiversidade através do uso de agrotóxicos, impacto que é percebido em conjunto com a poluição, que pode acontecer de várias formas e em diversos ambientes, como: 

  • No solo: os herbicidas retidos acabam afetando as populações de microorganismos benéficos, responsáveis pela produção de nutrientes como o nitrato. Assim, variedades de plantas que dependem desses microorganismos, como as leguminosas, também têm sua produção afetada. 
  • Na água: os agrotóxicos poluem tanto os aquíferos, como corpos superficiais como rios, córregos e lagos. Segundo o IBGE, os agrotóxicos são a segunda maior causa da poluição dos rios no Brasil, ficando atrás apenas do esgoto doméstico não tratado. Na água, essas substâncias acabam afetando diversos outros organismos. Os pesticidas afetam a quantidade de oxigênio nos ambientes aquáticos, podendo causar danos fisiológicos aos animais. Além disso, esses químicos também podem ser tóxicos para os peixes, gerando deformidades e até problemas na respiração.
  • No ar: os pesticidas em spray, ao serem utilizados, podem ter perda de até 25% por volatilização. Isso significa que 25% da substância usada pode se dissipar pelo ar, sendo carregada por metros ou até mesmo quilômetros de distância e assim afetando tanto uma parcela maior de solo, plantas e água, como os próprios seres humanos através da inalação desses químicos.

Por meio da poluição, se inicia um dos problemas mais sérios da contaminação por agrotóxicos: o acúmulo de pesticidas nas cadeias alimentares. Afetando desde a base da cadeia alimentar através das plantas, essas substâncias acabam chegando aos predadores de topo, incluindo o ser humano.

No ambiente aquático, por exemplo, já foram identificados golfinhos com agrotóxicos presentes no cérebro, na gordura e no fígado, graças à água e ao consumo de peixes contaminados. 

 Como é feito com o uso de fertilizantes e pesticidas de origem natural, o cultivo de orgânicos não representa o mesmo risco de poluição e intoxicação do ambiente e dos organismos vivos.

Outra vantagem é o maior respeito com os ciclos da natureza, já que são produzidos e colhidos de acordo com a sazonalidade de cada cultura, respeitando as características da safra de cada estação do ano. Buscando sempre o equilíbrio com a natureza, o plantio de orgânicos é uma forma sustentável de agricultura. 

Benefícios dos orgânicos para a saúde do agricultor

Para as zonas rurais, a agricultura orgânica é vista como uma forma de conter o êxodo rural e manter as novas gerações exercendo a prática do cultivo, sendo essencial também para a qualidade de vida da população do campo. Além disso, a produção orgânica também representa uma forma mais saudável de trabalho para os produtores, justamente por não fazer o uso de agrotóxicos. 

De acordo com o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) da Fiocruz, os agrotóxicos são a segunda maior forma de intoxicação do país. Apenas na última década, o Brasil registrou 40 mil casos de intoxicação por agrotóxicos.

Por lidarem diretamente com esses químicos, os produtores são os mais vulneráveis a essa contaminação, sendo os trabalhadores informais as principais vítimas dessas intoxicações (67%), segundo o Repórter Brasil.
Para João Pimenta, fundador da Associação de Produtores Orgânicos de Seropédica (SerOrgânico), um dos parceiros do Meu Amigo Tem um Sítio e produtor que trabalha com orgânicos desde que ainda era criança e ajudava na lavoura dos pais, além dos benefícios já citados, a relação afetiva do agricultor com a produção nesse tipo de cultivo também é um diferencial:

“Nossa relação é respeitosa, harmoniosa e de muita gratidão, e dá a certeza de que estamos produzindo um alimento de qualidade. Sou muito feliz, pois me vejo como uma pessoa simples, mas posso contribuir para que o outro possa se alimentar bem, não importa a classe social.”

João Pimenta