Ser humano como participante da agrofloresta e da engrenagem da vida
A Agrofloresta é um sistema que busca a convivência e cooperação entre natureza e ser humano, com práticas agrícolas similares às práticas naturais do meio ambiente, seguindo princípios como o Amor Incondicional, a Cooperação e a Abundância
Texto por Ana Luísa Vasconcellos
Você já ouviu falar em agrofloresta? Explicar o significado deste termo é, ao mesmo tempo, simples e complicado. Basicamente, esse conceito engloba um sistema que busca a convivência e cooperação entre a natureza e o ser humano, com práticas agrícolas e de vida muito similares às práticas naturais do próprio meio ambiente. Deveria ser simples: somos parte do meio ambiente, seres constituintes desta grande Mãe Terra. Mas, ao mesmo tempo, é complicado: nos afastamos desse sistema por nos considerarmos tecnológicos e superiores.
A floresta é propulsora da vida e nós, que fazemos parte do meio ambiente, devemos tratá-la de igual para igual e entender nossas ações como sistêmicas. Nessa perspectiva, a floresta é encarada como o mecanismo da vida: dela, nasce o alimento, o oxigênio e o fluxo das águas. O alimento se transforma em energia aos animais que, por sua vez, quando morrem, transformam-se em matéria orgânica para o solo vivo. Tudo nasce, cresce e morre na floresta.
É claro que, para entender a vida humana desta forma, como parte de um sistema mais complexo, precisamos deixar de lado a prepotência de nos vermos como seres superiores que, ao longo dos séculos, “criaram tecnologias”, progresso e formas de vida mais complexas do que os outros animais. Fernando Tanscheit, professor de agrofloresta, explica: “Nós não somos os seres mais inteligentes do planeta, somos parte de um sistema que é inteligente como um todo. E nos entendermos como parte dele nos coloca em uma posição de participantes e não de donos. O meio ambiente é a totalidade da nossa vida!”, afirma.
Princípios filosóficos e práticos
Como o professor, Fernando Tanscheit explica que a agrofloresta é regida por alguns princípios gerais: Amor Incondicional, Cooperação e Abundância. Esses são os princípios da vida e o sentido da caminhada é sempre por uma busca de criar mais vida e com maior diversidade. Mas, como? A natureza se rege a partir desse processo: ela cria vida a partir de organismos vivos e até a partir da morte. O fruto gera vida, assim como a matéria a ser decomposta gera nutrientes para o solo, que alimenta plantas, que alimentam animais e assim o ciclo se renova.
“Temos a floresta como professora e trabalhamos junto com ela para ter seu alimento e criar formas de perpetuar a sua vida. Qual é o valor de resgatarmos nossa relação com a natureza? Os benefícios são muito claros. Quando você cuida do seu solo, ele produz uma planta de qualidade que também vai te dar um alimento de qualidade. E essa alimentação cria seres fortes e sadios que podem perpetuar o trabalho em conjunto com a natureza” explica Fernando.
Dentro deste trabalho e dos três princípios filosóficos da floresta, entram alguns princípios práticos, que são a Diversidade, o Adensamento e a Cooperação. A Diversidade é sobre a complementação entre espécies, a exemplo do adubo verde, que promove fertilidade ao solo. Já o Adensamento é a combinação de várias espécies juntas, que promovem conforto térmico e divisão de nutrientes entre si. A Cooperação, por sua vez, tem a ver com a relação entre espécies, em que há trocas e apoio mútuo.
Origem da Agrofloresta
Essa prática, na realidade, foi criada por Ernst Götsch, que desenvolveu uma apurada técnica de plantio, passível de ser aplicada em diferentes ecossistemas. O suíço, nascido em 1948, foi um agricultor e pesquisador que desenvolveu o pensamento conceituado como Agricultura Sintrópica, baseado na agrofloresta. Sintropia é o contrário da entropia: na entropia, as partículas tendem do organizado para o desorganizado e do contido para o disperso. Já na sintropia, a busca é por sistemas mais complexos e biodiversos, organizando a diversidade em torno de um baixo impacto ambiental.
Götsch começou com uma única pergunta: “Será que não conseguiríamos maior resultado se procurássemos modos de cultivo que proporcionassem condições favoráveis ao bom desenvolvimento das plantas, ao invés de criar genótipos que suportem os maus-tratos a que as submetemos?”. Deste questionamento, chegou à Agrofloresta, que surge para consolidar as práticas de manejo integrado e conservacionista, utilizando métodos observados no meio ambiente para produzir todo o insumo dentro do próprio sistema. Ele testou associações entre plantios e, com o sucesso das colheitas, começou a delinear a ideia de organismo: o organismo viria da cooperação e, dali, viria a sucessão dos sistemas.
Confira o vídeo em que o pesquisador Ernst Götsch apresenta sua filosofia de vida e fala sobre a agrofloresta:
Esse sistema vai na contramão da produção de alimentos baseada na monocultura que os grandes produtores agrícolas utilizam. Ou seja, ao invés de produzir muita quantidade de um único alimento e esgotar o solo, a agrofloresta se baseia no plantio diverso, recuperando áreas degradadas, promovendo benefícios econômicos e ecológicos. A principal vantagem é a promoção da saúde e fertilidade do solo (princípio que se relaciona com a felicidade), aumentando também a quantidade de água no sistema e proporcionando versatilidade e diversificação da produção, de modo que os agricultores e produtores não dependem de um único mercado.