Alimentos de formatos diferentes: qual a forma do alimento natural?

Alimentos de formatos diferentes podem afastar o consumidor, mas não deveriam. Nem todos os alimentos são esteticamente perfeitos, mas isso não significa que são menos nutritivos ou saborosos. E, muitas vezes, eles acabam sendo descartados pela aparência. Vamos pensar sobre as escolhas alimentares que fogem dos padrões das grandes cadeias de supermercado?

Já se deparou com uma cenoura com um formato fora do usual? Assim como tudo na vida, os alimentos não são perfeitos! E você sabia que até os mais “diferentões” se encaixam muito bem no nosso prato?

Muitas vezes, os alimentos fogem dos “padrões de beleza” estabelecidos pelas grandes cadeias de supermercado e aposto que você sabe o que acontece com eles quando os consumidores os rejeitam. Sim, são descartados! Que tal pensar sobre a importância de consumir também os alimentos imperfeitos?

Provavelmente, enquanto fazia compras em um supermercado tradicional, você já deixou de escolher um alimento pela sua beleza ou, na verdade, pela “falta dela”. Somos ensinados a escolher o que vamos comer, principalmente frutas e verduras, baseados em um padrão. Mas será que uma maçã mais vermelha, mais redonda e maior é também a mais nutritiva?

A nutricionista Mariana Escanho, parceira do Meu amigo tem um sítio, afirma que um alimento com cor menos vibrante e formato fora do esperado não é menos nutritivo do que os outros somente por esta condição isolada.

As diferenças de tamanho e formato dos alimentos não fazem nenhuma diferença para a refeição. O próprio fato de ser um alimento orgânico os põe naturalmente com essa diferenciação

Mariana Escanho
Alimentos de formatos diferentes: abobrinha, cenoura e cará
Mariana Escanho afirma que um alimento imperfeito não é menos nutritivo somente pela sua aparência | Crédito: Marina Duque

Isso ocorre exatamente pelo fato de que o uso dos agrotóxicos é responsável por propiciar um ambiente em que os alimentos cresçam com um padrão, maiores e mais “lustrosos”. Então, diferentemente do que as pessoas esperam, os alimentos mais bonitos podem ser menos saudáveis para o corpo, caso tenham sido produzidos com agrotóxicos.

“Já os orgânicos são isentos não só de agrotóxicos, mas também de fertilizantes químicos sintéticos, sementes transgênicas e drogas veterinárias. Tudo isso impacta diretamente em nosso corpo”, explica Mariana.

Alimentos orgânicos não tem formato padrão

Quando é produzido de forma orgânica, o alimento cresce assim como é gerado na natureza, alguns maiores e outros menores, uns com coloração mais forte e outros menos, além de terem formatos diferentes. Isso não deveria ser motivo de vergonha, podendo inclusive se tornar um diferencial no seu prato.

No sítio Reserva Botânica, a produtora Cecília Freitas cultiva os alimentos orgânicos no sistema de agrofloresta e explica que, apesar de também usar tecnologia para a produção, esses alimentos crescem de forma diferente dos que se utilizam de agrotóxicos, o que sempre reflete em sua aparência.

Quem conhece alimento orgânico já desconfia daquele alimento no supermercado que parece de plástico, absolutamente perfeito e padronizado. A gente sabe que para conseguir aquilo é difícil que seja orgânico… O alimento agroflorestal é bonito de outras formas! Ele é um alimento que tem cara de saudável, mas é um saudável natural, que vai ter sempre um ‘arradinho’ na casca, que um nunca vai ser igual ao outro. E é uma beleza diferente, não aquela lustrosa e plastificada

organopão, produtor de alimentos orgânicos
Produção orgânica no sítio do Daniel e de sua esposa, Amanda (foto) | Crédito: arquivo Organopão

O produtor Daniel Perico da Organopão, outra parceria do Sítio, concorda que os consumidores de orgânicos normalmente já têm uma noção maior do processo de produção e não costumam deixar de consumir um alimento pela sua aparência.

“Na plantação orgânica, o alimento nasce normal, mas temos que ter muito cuidado com lagartas e moscas. Os tamanhos dos alimentos hoje em dia não têm muitas diferenças, mas sempre nascem de várias formas diferentes por causa do processo natural. Os clientes que conhecem o orgânico não se espantam com isso, porque já sabem que isso é normal”, diz.

No sítio Reserva Botânica, eles contam com uma consultoria em engenharia florestal, que auxilia na produção de lindos alimentos. “Tentamos aliar as tecnologias orgânicas com a nossa realidade cotidiana, porque nós trabalhamos com um grupo de pessoas da roça que têm conhecimentos ancestrais muito valiosos”, diz Cecília.

Os alimentos são produzidos com uma aparência muito boa e, mesmo quando eles saem um pouco do esperado, não são desperdiçados: são utilizados na alimentação dos animais da propriedade. “Nós selecionamos os melhores alimentos para vender. O que vai para o cliente é sempre com a melhor aparência possível”, diz.

Alimentos impróprios para o consumo

É importante ressaltar que alimentos de formatos diferentes não são impróprios para consumo. Uma coisa é completamente diferente da outra, como explica Mariana. “Alimentos imperfeitos não necessariamente são impróprios. São coisas bem diferentes. A partir do momento que o alimento não apresenta machucados severos, a casca está intacta e o ponto de maturação não “passou” do tempo, ele está bom para o consumo, mesmo aparentando imperfeições”, afirma a nutricionista.

alimentos com formatos diferentes da Reserva Botânica
Alimentos que fogem ao padrão na Reserva Botânica são destinados ao consumo no sítio ou dos animais |  Crédito: Arquivo Reserva Botânica

Para quem lida com isso diariamente, é ainda mais fácil entender qual alimento deve ser selecionado para venda e qual não está próprio para o consumo.

“A gente também consome os alimentos que não são perfeitos para vender no sítio, mas tem coisas que não tem jeito. Um exemplo é o inhame, que se tiver uma ‘cintura’, você pode desconfiar. Ele precisa estar com o formato certo para estar cremoso por dentro. E esse é um olhar que as pessoas que estão acostumadas a selecionar o alimento desenvolvem. Elas sabem quando os alimentos estão próprios para consumo humano ou não”, evidencia Cecília. 

Daniel também reconhece que o processo de seleção passa por um momento de muita atenção à qualidade. “O alimento impróprio para consumo às vezes tem partes podres e moles e os imperfeitos são só feios, mas com ótima qualidade para consumir”, afirma.

No caso dos esteticamente imperfeitos, quando eles não chamam a atenção do consumidor, apesar de estarem em ótimas condições para consumo, a Organopão também evita o desperdício e os destina para instituições de caridade.

Não desperdice alimentos de formatos diferentes

Quando não há uma compreensão de todos esses fatores, o resultado é que toneladas de alimentos saudáveis acabam indo para o lixo, somente por conta da sua aparência. De acordo com a Associação Brasileira dos Supermercados (Abras), o valor que os supermercados brasileiros perdem anualmente com alimentos aptos ao consumo mas que foram jogados fora por danos, aparência ou validade chega a ser de R$ 7,1 bilhões.

Infelizmente, isso ocorre no mesmo país em que 19 milhões de pessoas passam fome, segundo um levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN).

frutas e legumes com formato diferente
Na Organopão, Daniel Perico evita o desperdício e doa os alimentos que não são vendidos para instituições de caridade |  Crédito: Arquivo Organopão

As doações parecem ser uma das soluções encontradas entre os pequenos produtores como Daniel Perico e Cecília Freitas.

O desperdício de comida, de uma forma geral, é algo sério e muito triste. Você pode ter aquele alimento perfeito, sem nenhum furinho na casca, e ter um outro alimento que é tão gostoso quanto, que tem as mesmas vitaminas e nutrientes, mas não é tão bonito. Aqui, a gente doa para ações de combate à fome os alimentos que têm um pequeno defeito estético, mas que são próprios para consumo

Cecília

Entretanto, esse tipo de ação pode ser mais complicada quando se produz em larga escala. Os produtores orgânicos, em geral, cuidam de todo o processo: o alimento é produzido, uma parte serve de comida para os animais e, ao digerirem, aquilo retorna ao solo como matéria orgânica.

Em grandes propriedades e fazendas de monocultura, que não tem um processo circular, essa logística é mais complicada e, muitas vezes, não é uma preocupação dos produtores. E, para evitar todo esse desperdício, que tal adotar um alimento imperfeito?