Como um relacionamento honesto e próximo com os produtores e uma comunicação transparente com os clientes podem contribuir para humanizar o conceito de rastreabilidade, ajudando a fortalecer a economia local e garantindo mais segurança alimentar para o futuro da saúde pública
O monitoramento do trajeto dos alimentos até os consumidores é conhecido como rastreabilidade, sendo um requisito exigido pelas certificadoras e pela legislação brasileira no processo da certificação orgânica. A ideia principal é que o lote de um produto possa ser controlado desde a colheita até ser vendido, incluindo seu transporte, como um raio-x das etapas da cadeia de produção. “A rastreabilidade é origem; as pessoas querem saber de que terra veio seu alimento e, por isso, dentro do universo dos orgânicos desde sempre já é assim”, explica Fabiana Nobre, técnica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), em entrevista para nosso blog.
Os agricultores e agricultoras certificados como orgânicos e que são parceiros do Meu amigo tem um sítio, já estão acostumados com a metodologia deste controle. Como parte das suas obrigações para obter a certificação, eles fazem uso do que é conhecido como caderno de campo, onde anotam diariamente o que acontece com seus cultivos. “Nosso caderno fica lá já ao lado da plantação, e anotamos tudo, o dia que plantamos, o dia que estercamos, até quantas vezes a gente molha por dia, depois também escrevemos o que vendemos, o que estraga e o que perde”, explica Daniel Perico, um dos parceiros da cesta, produtor de hortaliças e de pães orgânicos, em Brejal, área rural de Petrópolis (RJ).
Este caderno citado por Daniel fica à disposição dos técnicos responsáveis pela certificação, que também podem realizar auditorias-surpresa nas propriedades. Apesar da dificuldade de inserir este controle no seu já atarefado cotidiano, os cadernos ajudam o agricultor a sistematizar seu conhecimento. Fabiana defende: “Os registros devem ser usados a favor do agricultor, como uma contabilidade, uma percepção de sucesso nas técnicas de manejo e para auxiliar em debates com os técnicos”.
Estes variados métodos de controle da certificação orgânica ainda são, no entanto, conteúdos muito burocráticos e um tanto detalhados para o público em geral e por isso iniciativas como as redes sociais do Meu amigo tem um sítio, vem fazendo da rastreabilidade uma dinâmica cotidiana de aproximar o cliente do produtor.
O que aparece para os clientes na forma de vídeo, fotos e depoimentos é fruto de um trabalho diário de comunicação com estes produtores, resultado natural de uma relação que não é só comercial, mas de afeto e admiração. O objetivo deste acompanhamento é colocar luz sobre os protagonistas deste processo, que são justamente os agricultores e produtores. Desse modo, citar nome e sobrenome dos produtores que participam das cestas não é só um detalhe, mas reflexo de uma filosofia. “Tentamos trazer um pouco para as nossas cestas do conceito das feiras, de contar as histórias dos produtores e dos produtos, criando vínculos e buscando empoderar a agricultura familiar como um todo”, diz Ricardo Terzella, um dos fundadores do Meu amigo tem um sítio e responsável pelo contato diário com quem está na terra.
Uma alavanca para a economia local
Além de trazer benefícios para os consumidores, que podem escolher seus produtos a partir de informações objetivas, muitos pesquisadores defendem que a rastreabilidade facilita pesquisas e aumenta a credibilidade da agricultura orgânica, contribuindo para o seu desenvolvimento. Outra consequência benéfica é o fato da rastreabilidade ser um importante meio para que o agricultor familiar possa também planejar a sua produção.
Quando o agricultor consegue programar seus cultivos, a partir de números confiáveis, ele consegue também investir e ter mais retorno, num círculo virtuoso. Dentro da trajetória do Meu amigo tem um sítio, já são inúmeras histórias de sucesso que seguiram este modelo. Ricardo conta que sempre priorizaram produtos locais, comprando tudo no estado do Rio, mas para alguns produtos como tomate, alho ou cebola, cuja demanda é alta, não conseguiam suprir a demanda. Passaram, então, a comprar de São Paulo, mas sempre querendo voltar a priorizar o Rio, o que agora está sendo cada vez mais possível: “Quando já conseguimos comprar 70% da nossa demanda de tomates com nosso parceiro Daniel Perico, temos a prova de que o mercado tá crescendo e está sendo possível para sua família reinvestir na produção, o que nos deixa imensamente felizes”, comemora.
Jéssica Melo, responsável pela logística do grupo “O Frade Orgânico”, de Teresópolis (RJ), diz que esse é o caso do brócolis que cultivam: “Grande parte da nossa produção do brócolis vai para o Meu amigo tem um sítio e isso é muito positivo, pois sabemos que levam a muitos lares, chegando a muitas pessoas e também porque temos a venda praticamente certa desse determinado produto”.
Olho vivo na saúde
O foco na rastreabilidade também acompanha uma tendência mundial de comprovação de procedência dos alimentos pela ótica da saúde pública. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a segurança alimentar é um conceito maior do que a maioria das pessoas imaginam. No site da fundação, os pesquisadores alegam que ela é estratégica para a qualidade dos alimentos de forma mais ampla, sobretudo no cenário de pandemia de Covid-19.
Apesar da segurança alimentar não se referir somente à inocuidade dos alimentos mas também à diversificação de nutrientes necessários para uma alimentação saudável, as incertezas em torno do setor de alimentos projetada com a pandemia do novo coronavírus tem mostrado que saber a origem do que se come é cada vez mais valorizado. Fabiana concorda: “É importante saber quem tocou nos alimentos antes de você, com que cuidado foram feitos e, neste sentido, os circuitos curtos de comercialização são fundamentais, pois quanto menos gente toca, menos possibilidade de contaminação”.