Em um mundo permeado por dúvidas e bombardeado por fake news, o universo dos orgânicos não está imune às incertezas. É comum que muitos consumidores se questionem se um alimento é de fato produzido sem venenos e, também, como é possível se assegurarem de que não estão levando gato por lebre. Entenda como são certificados os alimentos orgânicos e por que conceitos como “transição” e “confiança” são tão valiosos quanto selos e documentos.
Entre as várias missões que a agricultora orgânica precisa dar conta, uma das principais é comprovar sua própria propaganda. Para obter um certificado de orgânico, os agricultores precisam demonstrar que o processo produtivo das suas propriedades contemplam o uso responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos naturais, respeitando relações sociais e culturais. Quem explica como é possível obter a certificação é a pesquisadora com mestrado e doutorado na área da alimentação orgânica pela UFRRJ, a nutricionista Thadia Turon. Thadia é filha de um dos agricultores fundadores da Abio, a Associação de Agricultores Biológicos do Rio de Janeiro, criada em 1985, e acompanhou grande parte da trajetória da certificação de orgânicos no estado do Rio de Janeiro. Ela lembra que em 1999 foi lançada a instrução normativa 007, o primeiro documento legal relacionado à produção de orgânicos no Brasil. “Neste momento a Abio teve a oportunidade de se cadastrar como certificadora de alimentos orgânicos e, hoje, é a grande responsável pela certificação da maioria dos produtores orgânicos do Rio, aproximadamente 90%, por meio do Sistema Participativo de Garantia (SPG)”.
O sistema citado por Thadia foi lançado em 2007 e permite que pessoas jurídicas se cadastrem junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento como Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade Orgânica (OPAC). A partir daí, um grupo de agricultores e técnicos é formado e são feitas visitas e reuniões onde se avaliam o plano de manejo da propriedade entre outros requisitos em uma responsabilidade compartilhada. Outra forma de obter o certificado é via Auditoria, caminho geralmente utilizado por grandes proprietários, sendo mais cara, mas considerada como “mais cômoda” para este setor. Por fim, há o Controle Social para Venda Direta, que é um cadastro junto a uma Organização de Controle Social para vender em feiras ou realizar vendas institucionais como para a merenda escolar por exemplo.
Como resultado final, visível para o consumidor, é gerada uma declaração de cadastro e, no caso do SPG e da auditoria, são disponibilizados tanto um certificado de conformidade orgânica no nome do agricultor ou da agricultora, quanto a possibilidade de fazerem uso do selo SisOrg nos seus produtos. Esse selo é encontrado com mais frequência apenas nos itens que vão para os supermercados, o que na avaliação de Thadia não é um problema: “Para feiras e sistemas de cestas é até melhor que seja assim, em função dos resíduos das embalagens de plástico, o que não impede que o consumidor peça pra conhecer outros documentos que façam a comprovação”, argumenta.
A direção em que se movimenta
Mas nem tudo são selos, documentos, registrados e carimbados. Para garantir que um produto é mesmo saudável, uma forma eficaz é a relação de confiança que se estabelece com os agricultores, feita com muito bate papo, olho no olho, visitas nas propriedades e acompanhamento sobre o modo de cultivo. Essa é a filosofia que está na base do trabalho do Meu amigo tem um sítio, uma operadora de cestas do estado do Rio de Janeiro, em atividade desde 2016. O engenheiro agrônomo, Ricardo Terzella, um dos fundadores da empresa e responsável por este dia a dia junto aos parceiros, defende que o caminho é tão importante quanto o resultado final: “Acreditamos muito na transição agroecológica, investindo nos produtos que conhecemos de perto e confiamos, justamente pra estimular este processo e incentivar que obtenham a certificação”, afirma.
E foi assim que alguns parceiros do Meu amigo tem um sítio conseguiram o empurrão que faltava para certificar seus produtos, como Pedro Delmont, do Sítio Kouit, de Itamonte (MG): “Nossos produtos in natura como vegetais e legumes já eram todos certificados, mas nossos processados como geleias e conservas ainda não e o Ricardo ao mesmo tempo que já os colocava na cesta como agroecológicos, nos incentivava a certificá-los”, exemplifica Pedro. Agora, todos os produtos do Sítio Kouit são certificados, o que segundo Pedro, é fundamental para um diálogo com a sociedade como um todo: “A confiança independe do selo, mas com certeza pra uma clientela maior, para um meio onde você e seu produto não sejam conhecidos, claro que este selo dá uma garantia” afirma.
Para esta certificação, Pedro participou de um SPG e recomenda o processo: “É bacana, tem muita troca de saberes e informações entre os agricultores do grupo e acaba um dando força pro outro”, avalia. De acordo com Thadia, o Brasil é pioneiro neste sistema participativo, pois a grande parte dos países trabalha com sistemas de auditoria, em que pequenos agricultores costumam ficar de fora das certificações. “Este desafio nós vencemos”, diz ela, mas alerta que ainda há um outro bem maior: “A educação e todas as suas vertentes, seja da população e dos consumidores, seja de técnicos, que sejam formados para compreender a importância da adoção e da transição para uma agricultura de base agroecológica”.