Políticas públicas: entenda o que são e o impacto do corte de gastos em alimentação, saúde, meio ambiente e outros setores

Políticas públicas são ações, programas e medidas desenvolvidos pelo Estado que visam assegurar direitos previstos na constituição, promovendo uma melhor qualidade de vida para a população. Embora sejam fundamentais para garantir que grupos sociais mais vulneráveis tenham acesso a direitos básicos, como alimentação, saúde e educação, diversas políticas públicas têm sido ameaçadas pela redução de verbas implementada pelo governo, afetando diretamente o bem-estar social.

Corte de verbas ameaça a existência de programa alimentar

Desde 2003, o governo federal tem um programa de aquisição de alimentos produzidos pela agricultura familiar. Chamado, originalmente, de Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), no governo Bolsonaro a iniciativa foi nomeada como  “Alimenta Brasil” e, desde então, vem sofrendo com cortes de verbas e falta de direcionamento para ações mais efetivas. 

O programa é coordenado pelo Ministério da Cidadania, que distribui recursos para a Campanha Nacional de Abastecimento (Conab) e para os estados e municípios. A partir daí, a Conab contrata cooperativas que comercializam sua produção, enquanto estados e municípios compram alimentos diretamente de famílias agricultoras.

Os alimentos são doados para creches, escolas, pessoas cadastradas no Cadastro Único e projetos de assistência social, atendendo às necessidades de pessoas em estado de vulnerabilidade social. Com a drástica diminuição da verba repassada ao Alimenta Brasil, a manutenção do trabalho dos agricultores e a segurança alimentar das pessoas atendidas pelo programa correm alto risco.

Segundo o ex-diretor da Conab, Sílvio Isoppo Porto, o pico de crescimento do programa foi de 2003 a 2012. Apesar do processo de esvaziamento ter começado ainda em 2016, os números atuais são os que mais preocupam.

Em seu auge, o PAA recebia um orçamento anual de R$622 milhões. Já em 2019, a verba aplicada pelo governo federal foi de 97,76 milhões. Ainda que na pandemia a disponibilização de recursos tenha aumentado, 2021 trouxe o menor orçamento já registrado na história do programa: R$58,9 milhões. Em 2022, até maio, apenas R$ 89 mil reais haviam sido investidos.

A redução dos recursos impacta diretamente a quantidade de famílias produtoras e projetos sociais auxiliados pelo Alimenta Brasil. Segundo o Conab, em 2012, o número de produtores beneficiados era 128.804. Em 2020, ano dos dados mais recentes disponíveis, mas que teve uma verba maior que as de 2019 e 2021, apenas 31.196 agricultores participaram do programa. Em relação às unidades receptoras de alimento, a queda foi de 17 mil em 2012, para 2.535 em 2020. 

Para os pequenos agricultores, os cortes impactam diretamente na renda familiar e na produtividade. Muitos passaram a não receber os recursos, mesmo tendo as inscrições aprovadas. A redução da verba ocasiona diminuição da comercialização da produção, gerando desemprego, falta de oportunidade e, também, uma consequente redução do plantio, diminuindo a diversidade produtiva.

Para outros, cuja produção era totalmente destinada ao programa, a solução tem sido buscar ajuda de entidades que organizam espaços e feiras para a comercialização direta dos alimentos. No entanto, o retorno financeiro é muito inferior ao gerado pelo Alimenta Brasil e, ao contrário da comercialização por meio do programa, a venda nas feiras não é garantida. 

Na outra ponta do problema estão as pessoas atendidas em creches, escolas e projetos que recebiam os alimentos e que, com o atual sucateamento do programa, têm sua segurança alimentar e saúde nutricional colocadas em risco.

Segundo o Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PESSAN), 33 milhões de brasileiros passam fome, enquanto 125,2 milhões vivem com algum grau de insegurança alimentar. O crescimento exponencial da falta crônica de alimentos levou o Brasil de volta ao Mapa da Fome das Nações Unidas.

Para entrar no Mapa, um país precisa ter mais de 2,5% da população em estado de insegurança alimentar. No Brasil, esse percentual é de 4,1% e, segundo o levantamento da ONU, mais alto do que a média mundial.

Orçamento de 2023 ameaça programas de alimentação e água

Se os recursos destinados para o Alimenta Brasil nos anos de 2021 e 2022 já acendem o alerta vermelho, a previsão para 2023 é ainda mais preocupante. Mesmo que o orçamento das pastas do Ministério da Cidadania tenha aumentado em 32% para 2023, visando o incremento no número de beneficiários do Auxílio Brasil, outros programas do Ministério sofreram cortes severos, inviabilizando sua continuidade.

Para o Alimenta Brasil, o orçamento previsto para 2023 é de apenas R$ 2,6 milhões, representando uma redução de 97% em relação a 2022. 

Outras políticas que sofreram com o negligenciamento de recursos para o próximo ano foram as de acesso à água, que afeta tanto as populações carentes que dependem do auxílio do governo para consumo próprio, quanto produtores que necessitam da água para irrigar suas lavouras.

O programa Cisternas, por exemplo, teve seu orçamento cortado em 97%, ficando restrito a R$ 2,3 milhões, valor suficiente para construir apenas 140 novas cisternas. Para universalizar o acesso à água para consumo, 350 mil cisternas teriam que ser construídas, enquanto para a agricultura, mais de um milhão de cisternas seriam necessárias.

Para a população do semiárido, a ausência de cisternas durante o período de seca significa um deslocamento de grandes distâncias em busca de água, ou até mesmo mudança de região. Já na vida do pequeno produtor, a escassez de água limita a atividade agrícola tanto para o consumo próprio, quanto para a venda.

Mesmo que a diminuição do orçamento para 2023 seja alarmante, o problema não é recente: desde 2021, quando realizou a construção de 4,3 equipamentos, menor número anual desde a criação do programa em 2003, o programa Cisternas se encontra praticamente paralisado.

Políticas públicas de saúde tem dinheiro cerceado

Dinheiro do combate a Covid-19 foi usado na compra de tratores

Ao passo que os programas de incentivo ao pequeno agricultor seguem sofrendo golpes cada vez mais fortes, a compra de tratores segue a todo o vapor, mesmo que com recursos que deveriam ser destinados à área da saúde. 

A verba para a compra de maquinários veio da sobra do orçamento da transição do Bolsa Família para o Auxílio Brasil, liberado pelo Tribunal de Contas da União. Apesar da liberação, o TCU estabeleceu que a quantia deveria ser usada somente em forma de custeio, e direcionada exclusivamente ao enfrentamento da Covid-19 e seus impactos sociais.

Driblando o Tribunal, os R$ 89,8 milhões foram usados para comprar 257 máquinas agrícolas, que constam como investimento ao invés de custo, e sob a alegação de serem destinadas para famílias agricultoras. Para especialistas da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, a ação é desproporcional às necessidades dos agricultores, cujas áreas de plantio são pequenas demais para o uso do maquinário e que usufruiriam de mais benefícios caso o auxílio viesse em forma de transferência de recursos.

Além do escândalo dos tratores, nos últimos anos também registramos uma diminuição significativa nos investimentos na área da saúde. De acordo com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INSEC), de 2019 a 2021, a redução de recursos foi de 7,27%. 

Em relação ao dinheiro destinado ao combate à pandemia, o montante sofreu um encolhimento de 78,8% entre 2020 e 2021, período em que as mortes pela Covid-19 saltaram 117%. Ainda em 2021, apenas 82% do orçamento autorizado para o enfrentamento ao coronavírus foi utilizado, resultando em uma sobra de R$27,3 bilhões.

Orçamento da Secretaria Nacional da Juventude chega a menor patamar da história

Segundo o Relatório de Evidências Sobre as Políticas Federais de Juventude no Brasil, publicado pelo Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), outra área com recursos gravemente afetados são as políticas públicas direcionadas para a juventude, que além de estarem perdendo cada vez mais recursos, também já não aparecem no Plano Plurianual (PPA) do governo federal.

De acordo com o relatório do Conjuve, o orçamento da Secretaria Nacional da Juventude em 2022 foi de apenas 1,5 milhão, 93,5% menor do que a média dos anos anteriores e insignificante em relação aos gastos com o órgão entre 2010 e 2016, quando o investimento anual era cerca de R$27 milhões.

Para além do montante bruto disponibilizado, a aplicação dos recursos também preocupa. Em 2019, apenas 27% da verba prevista foi gasta pela SNJ, percentagem que em 2020 despencou para apenas 0,5%. Já no ano passado, apenas 2% dos recursos foram efetivamente utilizados. 

A redução da verba destinada à Secretária e  a dificuldade de execução orçamentária vêm impactando severamente políticas públicas destinadas à melhora da qualidade de vida da população jovem do país, gerando o desmanche de programas como o Juventude Viva, que promovia ações de combate à violência contra jovens negros, e a desaceleração de projetos como o Estação Juventude, que busca o fortalecimento de direitos e a capacitação de jovens.

Educação sofre cortes em políticas públicas

Cortes ameaçam a educação pública

Outra área que vem sofrendo cortes orçamentários que afetam diretamente a população jovem é a educação. Em maio deste ano, R$ 3,2 bilhões foram cortados da verba do Ministério da Educação, medida que significou o bloqueio de 14,5% no orçamento do MEC e das instituições federais vinculadas. Somente nesse ano, R$ 400 milhões destinados às universidades foram cortados, deixando pelo menos 17 universidades federais em risco de fechamento até o final do ano. 

Para 2023, o cenário também não é animador. O programa “Educação básica de qualidade”, por exemplo, sofreu um corte de R$ 1,096 bilhão no orçamento previsto pelo MEC. A redução de recursos preocupa, já que um montante maior ajudaria não só a garantir a qualidade da educação, mas também a execução de políticas públicas que previnam a evasão escolar, questão recorrente e em crescimento no país. Segundo o IPEC, 2 milhões de crianças e adolescentes de 11 a 19 anos não estão frequentando a escola no Brasil. 

Já na educação superior, o recuo proposto no orçamento é de R$ 594,5 milhões. Além de ameaça às condições necessárias para o funcionamento das instituições, o corte também ameaça a permanência dos estudantes, contribuindo para a evasão, como mostra o último Censo da Educação Superior, que apontou uma queda de 18,8% no número de concluintes.

Outras áreas em risco

Além da alimentação, saúde e educação, outras áreas também vêm sofrendo com redução orçamentária. Quando falamos em habitação, que envolve transporte urbano, habitação e iluminação, os recursos disponíveis em 2021 eram de R$ 105,53 bilhões, mas apenas R$ 25,09 bilhões foram utilizados. Em comparação com 2019, a queda do montante chega a 65,96%.

Já no meio ambiente, o corte de R$ 240 milhões no orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 2021 botou em risco a integridade de institutos de fiscalização ambiental, como Ibama, que sofreu vetos que somam R$ 19,4 milhões. Além dos danos à biodiversidade, a diminuição dos investimentos em proteção do meio ambiente impactam também a reputação internacional do país.