Cinco anos de orgânicos, com muitas histórias

Fabiana e Ricardo fundaram o Meu amigo tem um sítio para tornar os alimentos orgânicos acessíveis, priorizando a relação justa com os produtores

Há cinco anos, Fabiana e Ricardo colocaram em prática um sonho antigo: a criação de um negócio no ramo de orgânicos focado na saúde, no meio ambiente e na remuneração justa aos agricultores. Os sócios criaram o Meu amigo tem um sítio para fazer uma ponte entre os pequenos produtores e os consumidores de orgânicos. Hoje, já são mais de 400 produtos nesse mercado de orgânicos e muita história para contar!

Há 5 anos atrás, Fabiana Sardinha e Ricardo Terzella estacionaram o carro em Copacabana para entregar 50 sacolas de alimentos orgânicos produzidos por eles mesmos em sítios de agricultores amigos do casal. Os clientes, que também eram amigos do agrônomo e da publicitária, estavam vivenciando ali o início de um negócio que trouxe um novo jeito de consumir orgânicos. Os dois já tinham adotado a alimentação baseada em produtos da terra e começaram a produzir comida com ética, sem agrotóxicos e, ainda assim, acessível. Esses princípios nortearam o caminho que o Meu amigo tem um sítio tomou e, hoje, ainda estão presentes na empresa, que já possui mais de 400 produtos orgânicos e naturais em seu catálogo.

O movimento começou em 2015, quando o casal entendeu que o objetivo de cultivar alimentos sem veneno não estava tão longe da realidade. Mas, foi em 2016 que o sonho saiu do papel. “Queríamos estar mais em família, vivendo um tempo de mais qualidade com a nossa filha Isabela, na época com cinco anos, experimentando uma rotina que permitisse estarmos mais juntos, o que o emprego formal numa grande empresa acabava não permitindo. A segunda motivação veio de um desejo de trabalhar com algo que tivesse mais propósito, algo que a gente acreditasse que transformaria o mundo de verdade”, relata Fabiana. 

Apesar das dificuldades que viriam com um novo empreendimento, eles estavam dispostos a dar esse passo, afinal o conhecimento de Ricardo em Agronomia e o de Fabiana em Comunicação e Marketing poderia trazer mais do que uma satisfação econômica. Eles buscavam um trabalho com propósito. “Morávamos na Tijuca e víamos a criminalidade na região crescer muito, o que nos assustava. O estresse e a falta de significado maior dos trabalhos que Fabi e eu tínhamos em grandes empresas se somaram a isso e fez com que a gente parasse pra pensar se estávamos mesmo no caminho certo”, completa Ricardo.

Fabiana e Ricardo arriscaram empreender em busca de um estilo de vida saudável e de um trabalho com propósito

Após muita reflexão, pediram demissão para investir no sonho de plantar alimentos. Como não tinham uma reserva suficiente para comprar o próprio sítio, surgiu essa pergunta: “Você tem algum amigo que tenha um sítio?”. Ricardo explica que, durante a graduação em Agronomia, se interessava pela temática da emancipação de pequenos produtores e já tinha o objetivo de ser agricultor. “Eu tinha como inspiração as experiências de agricultores e agricultoras familiares com as quais cada vez mais vinha tendo contato. O universo dos orgânicos foi o único caminho que trilhei nessa jornada: é uma temática que dialoga consistentemente e propõe soluções práticas para os mais críticos problemas de nossa contemporaneidade, da crise climática e ambiental, à fome e desigualdade social”, afirma.

Sonho que se sonha junto vira realidade

Foi assim, de amigo em amigo, que começaram a tecer essa rede que engloba agricultores familiares, pequenos produtores e consumidores de orgânicos. Fabiana conta que, em 2016, já estavam presentes os alicerces do que o Meu amigo tem um sítio faz hoje. “No início, cada ajuste no sistema, mudança de layout, preço, ou mudanças das mais variadas, nós íamos até os produtores parceiros e a gente perguntava se eles concordavam. Construímos juntos essa base”, afirma. Ela conta que, em 2017, eles já começaram a sentir uma necessidade de fazer as coisas funcionarem com maior autonomia, mas não queriam perder a essência da parceria com os produtores parceiros. 

“Lembro que um dia estávamos no Tirol, em Trajano de Moraes, com os produtores queridos com quem temos parceria lá. A Adriana, esposa do Guto, do Sítio Babilônia, na ocasião nos incentivou a criarmos mais autonomia nesse processo de ajustes do negócio. Esse foi um momento muito importante, porque tínhamos que honrar nossos princípios, mas também precisávamos ter mais dinamismo para fazer frente aos desafios. As parcerias se fortaleceriam cada vez mais, na medida em que a gente fizesse as duas coisas bem feitas”, relembra.

Adriana Campos e Guto Azevedo, do Sítio Babilônia, fizeram parte do início desta história | Arquivo Pessoal: Adriana Campos

Adriana Campos e Guto Azevedo são dois dos parceiros que entraram para o Meu amigo tem um sítio antes mesmo da empresa ter o formato atual. Eles observaram de perto a determinação e também algumas das dificuldades que os sócios encararam para dar o pontapé inicial. “A Fabiana e o Ricardo iniciaram o projeto com as cestas de orgânicos, levando nossos produtos desde o início”, diz Adriana. Hoje, o casal fornece batata baroa e cosméticos naturais da ComCiênciaViva. parceria iniciada este ano. “Tivemos a ideia de fornecer esses produtos diferenciados, que são os cosméticos naturais, para as cestas no atual momento, com o projeto mais desenvolvido. Acreditamos que têm uma sintonia forte de propósitos! Fazer parte do Meu amigo é sempre um prazer, porque estamos trabalhando com pessoas com os mesmos propósitos que os nossos”, completa.

Assista aqui ao vídeo que fizemos com o Guto colhendo batata baroa em uma das visitas que fizemos ao casal no início do projeto.

Assim como eles, o produtor Pedro Delmonte, do Sítio Kouit, conheceu Ricardo há cerca de seis anos. Na época, Pedro produzia geleias, sucos e mel e a identificação se deu de primeira, quando se conheceram em uma entrega dos produtos do Kouit. Ele afirma que essa parceria é como uma corrente, que expressa a sua força em uma união de esforços. “Tudo aconteceu de forma muito espontânea, sem tanto planejamento, mas sempre com uma sintonia forte que perdura até hoje! Para nós, foi um grande estímulo participar, porque o grande desafio do produtor é uma comercialização justa do seu produto”, comenta Pedro.

Uma rede de muitas histórias

Um dos diferenciais que o Meu amigo tem um sítio carrega com orgulho é a importância que dá para a história de cada um dos parceiros. A vivência dos produtores era tão importante para a forma como o negócio funcionava, que fazia sentido trazer os rostos da roça para a cidade. “Foi um transbordamento, uma consequência espontânea de como tudo começou, com a nossa vivência com os agricultores e agriculturas. Tivemos a oportunidade de ouvir deles a verdade sobre a sua luta, suas necessidades e seus sonhos. A vontade de compartilhar tantas histórias com os clientes foi natural! É a forma que encontramos de mostrar às pessoas o valor desses homens e mulheres que plantam os nossos alimentos, muitas vezes sem ajuda, sem subsídio e sem serem vistos”, explica. 

Essa atitude foi bem aceita pelos consumidores, que valorizam o fato de a rede de orgânicos mostrar a origem de cada um dos produtos. A dentista Lilian Laura Silva, moradora de Niterói, é uma das consumidoras que acredita nesta premissa. “A ideia de você ter vários sítios confiáveis, com materiais de boa procedência e com uma variedade muito grande, foi muito prática para mim. Então foi assim que a gente começou a trabalhar com eles. Estamos desde então vendo a evolução desse grupo, que cresce com toda a seriedade e transparência. Tudo eu compro com eles! Hoje, eu praticamente não vou ao mercado”, afirma.

João Pimenta acredita que a parceria com o Meu amigo é essencial para gerar demanda aos pequenos produtores | Arquivo Pessoal: João Pimenta

João da Conceição Pimenta, fundador do SerOrgânico e um dos parceiros do Sítio, atesta que esta relação de transparência impacta (e muito!) o trabalho no campo. “É ótimo fazer parte desse grupo, porque contamos com a honestidade deles, que valorizam o nosso trabalho e são justos nos preços que ofertamos. É imensa a minha alegria em ver como essa comunidade cresceu e como impactou particularmente o meu trabalho de logística, pois graças a esse crescimento eu consigo fazer as entregas de maior quantidade de produtos e envolver mais produtores que estão animados em fornecer ao Meu amigo tem um sítio. É uma excelente demanda para nossa produção”, opina.

João conta que conheceu a Fabiana e o Ricardo há aproximadamente 10 anos, quando participaram de uma reunião do SerOrgânico. Mas, em 2018, esse elo se fortaleceu quando ele e outros produtores de sua região começaram a fornecer banana, mamão, batata doce e aipim para o grupo. “Isso começou quando eles nos visitaram na feira da Glória onde fazemos parte do Circuito Carioca de Feiras Orgânicas, coordenadas pela ABIO [Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro] e lá viram o nosso trabalho e as variedades que tínhamos. Assim começou o ‘namoro’ que dura até hoje, para alegria dos agricultores, que hoje têm um importante ponto de comercialização dos produtos”, conclui. 

André Gomes, produtor da Queijaria Judith, faz parte do Meu amigo desde meados de 2016. Ele concorda que essa participação foi uma importante forma de escoamento da produção, que muitas vezes era inacessível aos consumidores sem a realização das feiras. “A logística é muito cara e, no início, eu consegui um feirante que levava uma caixa de isopor com os produtores para a feira e o Ricardo pegava lá. Com a pandemia, as feiras pararam e as encomendas do Ricardo mais que dobraram, então eu mesmo fui levar as encomendas e não parei mais! É um trabalho duro, mas muito gratificante, porque hoje tenho uma rede de companheiros que distribuem meus produtos e compartilham comigo o ônus da logística, além de estarmos sempre trocando conhecimento”, afirma.

André Gomes acredita que o Meu amigo cumpre o importante papel de consolidar um público para os produtos orgânicos | Arquivo Pessoal: André Gomes

Respeito ao passado e rumo ao futuro!

Este ano, o Meu amigo deu mais um passo para seu crescimento, atendendo atualmente clientes em bairros da Zona Norte, Zona Oeste, Méier, Ilha do Governador e Niterói, além da Zona Sul. A importância desta expansão, para os sócios Fabiana e Ricardo, é permitir que mais pessoas possam acessar o consumo de alimentos saudáveis, sem veneno e que não agridem o meio ambiente. Mas Fabiana pontua que a inclusão só será completa quando o Brasil tiver mais políticas públicas de incentivo. “Infelizmente, o  fato é que o alimento orgânico só se torna acessível de verdade a famílias de diferentes classes sociais com subsídio do governo, o que definitivamente não faz parte do programa do atual presidente. Temos que seguir na resistência e votar melhor nas próximas eleições, para tentar reverter esse quadro”, diz.

Ricardo ainda explica que, como o agronegócio domina a produção agrícola brasileira, é difícil lutar por espaço e ainda garantir acessibilidade aos produtos. “O mercado é muito pequeno e estamos buscando sempre a redução dos preços, para tornar o orgânico mais acessível. Nossas margens de lucro são mínimas porque queremos ser enxutos na logística para dar espaço a quem acreditamos deve brilhar: os produtores”. Entretanto, a competição desleal com as grandes corporações é mais um desafio a ser encarado. “Mesmo quem tem dinheiro e uma educação formal avançada, em sua maioria são extremamente influenciados pelos estereótipos de poder emplacados pelo marketing das gigantes corporações. Esse é um dos nossos pilares de atuação, conscientizar”, reflete.

Ricardo acredita que é possível conscientizar as pessoas e lutar por espaço para os pequenos produtores

Apesar do tamanho do desafio, trazer a alimentação orgânica para a realidade de mais pessoas é uma das metas que segue no horizonte do casal. Também em 2021, uma parceria com os produtores de conteúdo Thallita Xavier e José Carlos, administrador do perfil O Nutri Favelado, traz um dos princípios da empresa de volta à mesa: a alimentação orgânica é para todos. “Sonhamos em levar comida sem veneno para as comunidades, para as periferias, em romper os desertos alimentares que esses lugares se tornaram, em diminuir a fome e a insegurança alimentar que assolam o nosso país. E também temos o sonho de ajudar cada vez mais os produtores para que  tenham uma remuneração justa por seu trabalho e uma vida digna”, completa Fabiana.

A história é longa, mas ainda há muito para acontecer no próximo ano. Algumas das inovações trazidas anteriormente foram apontadas pelos clientes e produtores antes mesmo de serem implementadas, uma verdadeira caminhada lado a lado por um futuro melhor. Sempre em busca de um processo que agrida menos o meio ambiente, um dos exemplos de ideias novas adotadas foi a implementação do sistema de “Ciranda das Bolsas”, que permite a devolução das sacolas, além da diminuição do uso de plásticos. Lilian Laura Silva, cliente fiel que citamos anteriormente, conta que se identifica com os valores do Meu amigo tem um sítio. “Nós mesmos como consumidores dávamos esse toque sobre o uso de plástico e eles ouviram de forma muita atenta. É um grupo aberto, o que faz deles uma empresa forte e de muito sucesso”, elogia. 

Ricardo se demonstra esperançoso para o que o ano de 2022 reserva e está animado para apresentar aos clientes mais formas de acessar produtos confiáveis, orgânicos e de alta qualidade. “A gente vai entregar várias novidades para esse pessoal, de modo que certamente seguiremos na dianteira nesse segmento. Acesso unificado para a família na plataforma é um dos exemplos, outro é o lançamento de materiais educativos com linguagem infantil. Mas queremos também entrar no segmento de pequenas cestas, sobretudo para pessoas que querem dar o primeiro passo e consumir pelo menos sua saladinha orgânica, limpa. É assim que todo mundo começa sua jornada nesse universo e, no ano que vem, esse público vai ter soluções perfeitas para sua rotina e que, hoje, ninguém oferece”, adianta. “A inovação faz parte do nosso modo de trabalhar, né? Não tem jeito!”, comenta com bom humor.