Garimpo ilegal: a ameaça às comunidades indígenas

área de garimpo ilegal desmatado

Garimpo ilegal, atividades extrativistas e relacionadas ao agronegócio são, constantemente, ligadas à invasão de terras indígenas, mesmo quando estas são protegidas por lei. O assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, que chocou o país e o mundo, foi comprovadamente relacionado à pesca ilegal. Quem ganha com o desaparecimento dos povos indígenas e de seus apoiadores?

Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos (…) Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.

Assim dizia a primeira carta escrita sobre o nosso país, antes mesmo que este fosse nomeado Brasil. O navegador português Pedro Vaz de Caminha (1450 – 1500) faz um relato sobre a chegada nas terras brasileiras, em que demonstra claros interesses: no ouro e no território indígena. 

O documento, que ficou para a história como primeiro relato sobre a chegada dos portugueses ao Brasil, demonstra que, desde o início da colonização portuguesa, o ouro era uma das prioridades da Coroa. Enriquecer com a atividade de extração de metais foi um dos motivos do genocídio de indígenas em 1500 e, atualmente, continua matando essas populações.

Em mais de 500 anos, muita coisa mudou, mas a ganância ainda leva homens a explorarem o solo à procura dos minérios.Em 8 de abril, uma reportagem produzida pela BBC Brasil acompanhou uma investigação da Polícia Federal (PF) em Rondônia. Uma ação judicial do Ministério Público (MP) foi movida contra três dos maiores produtores de ouro brasileiros: MP alega que quase 30% da exportação de ouro do país foi extraído de forma ilegal.

Em entrevista para a reportagem, o comandante da polícia federal de RO, Gilberto Waldyr Kirsch Júnior, afirma que o crime destrói a natureza, patrimônio de todos os brasileiros. “Quando você toma consciência da destruição que é causada pela extração ilegal do minério, você começa a olhar para a joia de uma forma diferente”, afirmou.

zona de garimpo ilegal, demonstrando o desmatamento provocado
Operação Verde Brasil na Amazônia Legal visa combate e prevenção de crimes ambientais / Crédito: Warley de Andrade – TV Brasil

Garimpo é prática controversa

O garimpo é uma atividade exploratória cheia de paradoxos. Apesar de ter contribuído para a expansão territorial e econômica do país, comunidades indígenas foram destruídas por conta da atividade, que também causa danos à natureza. Basicamente, os garimpeiros extraem metais, com equipamentos e ferramentas menos automatizadas. 

De acordo com a Agência Nacional de Mineração (ANM), apesar de ser permitido por lei, o garimpo é proibido em duas situações: quando feito em áreas maiores que 50 hectares ou em terras indígenas. Grande parte da extração de ouro acontece em território indígena ou extremamente próximo às comunidades tradicionais. 

A atividade enriquece, mas também adoece os garimpeiros. Na prática, o trabalhador braçal que faz o garimpo não é quem enriquece, mas sim seus chefes, que costumam se esquivar das denúncias. Para quem trabalha na terra, não é incomum o adoecimento e a intoxicação pelo contato com químicos. Entre eles, o maior vilão é o mercúrio, uma “tecnologia” barata, com altíssimo custo ambiental.

A grande toxicidade do mercúrio

Na região amazônica, o ouro está em fragmentos de rochas, nos rios e solos. Para descobrir se a região tem ouro, garimpeiros perfuram a terra e colocam sondas detectoras. Quando encontram uma região onde pode-se realmente achar ouro, retiram árvores e utilizam equipamentos de exploração.

A utilização do mercúrio é a forma mais prática de separar o ouro do cascalho: funciona como um ímã para os pequenos pedaços de ouro.

Mas é também este químico que desequilibra todo o ecossistema à sua volta. Ao contaminar as águas, degrada não só o meio ambiente, como também as condições de saúde de comunidades ribeirinhas.

Já no primeiro momento de análise do local em busca do ouro, o mercúrio natural que está presente nas camadas do solo é liberado em forma de vapor e contamina o ar. Quando a extração é feita em um rio, o processo é ainda mais degradante.

O leito e o substrato são puxados por meio de mangueiras de alta pressão, que sugam a lama/água. A lama passa por um processo de separação do ouro, no qual também se utiliza o mercúrio. Após a separação das pepitas, todo o material intoxicado é devolvido ao meio ambiente.

Onde está o povo Yanomami?

Cadê os Yanomami? A pergunta viralizou nas redes sociais quando uma comunidade indígena na terra Yanomami foi encontrada queimada e sem seus 25 habitantes, após a denúncia de um estupro seguido de morte de uma indígena de 12 anos.

Em 25 de abril, o caso foi divulgado pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi – YY), Júnior Hekurari Yanomami. Os 25 indígenas foram encontrados em 6 de junho, ainda de acordo com Júnior, sem comprovação de quem queimou o local. 

O presidente do Condisi – YY ainda afirmou que garimpeiros da região ofereceram cinco gramas de ouro para indígenas da comunidade Aracaçá manterem silêncio sobre o caso de estupro na região dos Waikás, em Roraima.

Em entrevista à DW Brasil, Júnior afirmou sentir medo de novas mortes do seu povo pelas mãos de garimpeiros. “Eles falam para as lideranças: ‘Se vocês denunciarem, a gente vai matar a comunidade inteira’. É muito assustador o que está acontecendo”, declarou ao jornal.

Este é um dos casos mais violentos decorrentes do garimpo ilegal nas comunidades tradicionais. Outro indício claro está na contaminação por mercúrio, que se alastra na população indígena. Em 2019, um estudo realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), com a população Yanomami, constatou presença de mercúrio em 56% das mulheres e crianças da região de Maturacá, no Amazonas.

Foram coletadas 272 amostras de cabelo e, após análise, demonstrou-se que o material superou o limite de 2 microgramas de mercúrio por grama de cabelo, considerado tolerável pela Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Para dar visibilidade à questão, o WWF-Brasil, em parceria com Fiocruz, CINCIA e outras instituições, criou o Observatório do Mercúrio. O site reúne estudos e informações sobre contaminação do mercúrio na região amazônica e permite sua visualização com mapas e gráficos. Confira o observatório neste link.

povo yanomami e seu chefe sofrendo com ações de garimpo ilegal
Povo Yanomami sofre com avanço sobre suas terras e ameaças do garimpo ilegal / Crédito: Marcelo Camargo – Agência Brasil

Garimpo cresce, avançando sobre território indígena

A área minerada no Brasil cresceu seis vezes entre 1985 e 2020, segundo dado mais recente do território feito pelo MapBiomas. Divulgado em 2021, o Mapeamento Anual de Mineração e Garimpo no Brasil foi feito a partir da análise de imagens de satélite, com o auxílio de inteligência artificial. A região minerada saltou de 31 mil hectares, em 1985, para um total de 206 mil hectares, em 2020. Ainda de acordo com o estudo, boa parte desse crescimento se deu mediante a expansão na floresta amazônica.

Quase a totalidade do garimpo do Brasil concentra-se na Amazônia: 93,7%. O estudo ainda trouxe dados que demonstram o avanço do  garimpo sobre territórios indígenas e unidades de conservação. De 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%; no caso das unidades de conservação, o crescimento foi de 301%.

No site da iniciativa, Pedro Walfir, professor da UFPA e coordenador do Mapeamento de Mineração no MapBiomas, afirma que este é o primeiro estudo que demonstra a evolução das áreas mineradas em todo o território brasileiro desde 1985.

“Tratam-se de dados inéditos que permitem compreender as diferentes dinâmicas das áreas de mineração industrial e garimpo e suas relações, por exemplo, com os preços das commodities, com as unidades de conservação e terras indígenas”

Pedro Walfir

Ambientalistas em perigo

Não só os indígenas correm perigo, mas também seus apoiadores. Fato que chocou o país e ganhou grande repercussão mundial, o desaparecimento do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira é mais um dos casos de violência extrema contra ambientalistas e defensores da causa indígena. Mais de dez dias após o desaparecimento, principal suspeito, Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como “Pelado”, confessou o assassinato à Polícia Federal e foi preso em 7 de junho. 

Aos agentes da PF, o suspeito afirmou ter participado da morte e ocultado os cadáveres, mas que outra pessoa teria sido responsável por atirar em Pereira e Phillips. Além dele, também foram presos Amazonas Jefferson da Silva Lima, Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como Dos Santos, e Gabriel Pereira Dantas.

A PF prendeu, em 8 de julho, o peruano Rubens Villar Coelho, suspeito de ser o mandante dos homicídios. Outras cinco pessoas estão sendo investigadas por suspeitas de participação da ocultação de cadáver. 

De acordo com reportagem da CNN Brasil, quando questionado sobre a motivação do crime, “Pelado” admitiu que Pereira e Phillips foram assassinados por conta de denúncias sobre pesca ilegal na região. 

Ou seja, na terra em que os proprietários do território por direito – comunidades indígenas tradicionas – são expulsos pela atividade extrativista e ilegal, também não há espaço para questionamento: quem detém o poder de expor a situação, como jornalistas e ambientalistas, pode acabar perdendo a vida.

O podcast O Assunto, produzido pelo G1, lançou um episódio especial sobre o caso.

*Jornalista e produtora de conteúdo, Ana Luísa Vasconcellos escreve sobre natureza, alimentação saudável e política ambiental no blog do Meu amigo tem um sítio